A semana de trabalho de 4 dias veio mesmo para ficar?

Várias experiências da semana de trabalho de 4 dias têm surgido, até em Portugal. Quais são os seus benefícios e como implementar?

Reduzir as horas de trabalho de 40 para 32, por semana, mantendo a produtividade e o salário. Será possível? Sem dúvida, a discussão sobre a semana de trabalho de 4 dias veio para ficar. Aliás, por todo o mundo, surgem múltiplos estudos e exemplos dignos de análise.

Após a pandemia de COVID-19, o contexto provocou transformações profundas no mundo do trabalho. Por exemplo, acentuaram-se a flexibilidade laboral e as formas híbridas, com destaque para o teletrabalho (cada vez mais comum). Além disso, a conciliação entre a vida profissional e a pessoal conquistou maior relevância.

Desse modo, o “direito a desligar” (right to disconnect) e a redução da jornada de trabalho surgiram, também, como alternativas. Curiosamente, evidenciam-se diversos argumentos a favor destas estratégias, por exemplo:

  • incremento da produtividade das empresas;
  • aumento da qualidade de vida dos trabalhadores;
  • benesses para o planeta.

Sabemos que mudanças como esta não ocorrem do dia para a noite e que esta é uma oportunidade que as empresas não devem desperdiçar. Agora é o momento ideal para testar um modelo novo, antes que tudo volte a ser como dantes. Portanto, importa analisar algumas das conclusões obtidas por quem já conduziu esta experiência.

Quais são as vantagens da semana de trabalho de 4 dias?

Múltiplos benefícios têm sido apontados relativamente à adoção da semana de trabalho de 4 dias, nos vários locais onde esta já foi aplicada. Entre os países que a abraçaram incluem-se, por exemplo, a nossa vizinha Espanha, o Japão e o Reino Unido.

Os dados mais recentes provêm, precisamente, do Reino Unido. Divulgaram-se num relatório da Universidade de Cambridge, que comprova as vantagens do programa promovido pelo grupo de pressão “4 Day Week Campaign”.

De uma forma geral, as empresas apontam os seguintes benefícios, a saber:

  • incremento da produtividade;
  • aumento do bem-estar e redução do stress dos trabalhadores;
  • maior retenção de talento;
  • decréscimo das baixas por doença;
  • mais proatividade dos funcionários, implementando melhorias por conta própria;
  • redução ou eliminação de reuniões longas.

Contudo, enumerar estes proveitos não significa que não existam também obstáculos. Ao tentar implementar a semana de trabalho de 4 dias, as empresas confrontam dificuldades como a legislação sobre contratos de trabalho e a burocracia necessária.

Algumas organizações salientam, por exemplo, que esta solução prejudica o emprego, pois aumenta o custo da mão de obra. Além disso, da parte dos trabalhadores, podem surgir receios sobre como serão encarados pelos colegas e pelos seus superiores.

Como implementar a semana de trabalho de 4 dias?

Certamente, a realidade não é idêntica em todos os países e setores, nem em todas as organizações. Portanto, o melhor mesmo será ter a coragem de experimentar e avaliar.

Em Portugal, o Governo está a lançar um projeto-piloto de seis meses, que arrancará em junho de 2023. Trata-se de um programa voluntário, sem corte de salário, no qual estão inscritas 30 empresas, que vão receber “suporte técnico e administrativo”.

Independentemente deste projeto, outras empresas podem e devem testar o modelo da semana de trabalho de 4 dias, de forma autónoma. Afinal, os casos vão proliferando fora de Portugal e quem acompanha estas experiências partilha já dicas úteis.

Num artigo publicado na Harvard Business Review, Ashley Whillans e Charlotte Lockhart criaram mesmo um guia, dividido em vários passos, para ajudar as empresas a implementarem a semana de trabalho de 4 dias.

Passo 1: Mudar a mentalidade

Para que a semana de trabalho de 4 dias seja bem-sucedida, os líderes têm de mudar o seu mindset, valorizando a produtividade, não apenas o número de horas trabalhadas. Ou seja, devem dar primazia às métricas qualitativas, não às quantitativas.

Além disso, os líderes devem estar dispostos a aceitar a incerteza que representa testar novas iniciativas, assumindo uma postura de tentativa-erro.

Passo 2: Definir objetivos e métricas

Após decidir implementar a semana de trabalho de 4 dias, torna-se necessário planear essa operação cuidadosamente. Aliás, a criação de um pequeno grupo de trabalho pode ser a melhor forma de o fazer.

Devem discutir-se questões importantes a responder por trabalhadores e líderes, por exemplo: como medir o sucesso desta iniciativa, tendo em conta os objetivos definidos? Nesse âmbito, podem averiguar-se os níveis de felicidade dos trabalhadores, de satisfação dos clientes ou de produtividade.

Passo 3: Comunicar interna e externamente

Torna-se importante antecipar as dúvidas e ser proativo. Internamente, receios associados a possíveis despedimentos, cortes salariais ou redução de benefícios devem ser dissipados, quando se explica os motivos de avançar para a semana de trabalho de 4 dias.

Igualmente, devem comunicar-se as alterações de processos e calendários, de forma clara, aos stakeholders externos, sobretudo aos mais afetados.

Passo 4: Aplicar o teste-piloto

Após decidir, planear e comunicar, chega a vez de agir. Para levar um projeto-piloto à prática serão necessários alguns meses. Nessa altura, os problemas vão, certamente, surgir. Estes devem ser encarados não como obstáculos, mas como oportunidades para melhorar e afinar o plano.

Nesta fase, deve manter-se um clima de abertura, para que as pessoas possam colocar todas as suas dúvidas.

Passo 5: Avaliar o projeto-piloto

Concluído o projeto-piloto da semana de trabalho de 4 dias, devem ser analisadas métricas quantitativas e qualitativas. Nesta fase, revela-se útil realizar entrevistas de grupo ou inquéritos de satisfação, para avaliar a experiência.

Como métricas quantitativas, podem utilizar-se indicadores como os dias de ausência por doença, o número de negócios fechados pela equipa comercial ou o tempo médio para fechar um negócio.

Passo 6: Alargar, sem parar de iterar

Por fim, chega o momento de expandir as novas regras da semana de trabalho de 4 dias, sendo necessário enraizar a nova cultura na organização, sem que as pessoas caiam nos velhos hábitos. Simultaneamente, devem continuar a monitorizar-se as métricas, adaptando-as consoante as necessidades e segundo as indicações apuradas.

 

Estas são apenas algumas dicas para testar um novo modelo de organização do trabalho que, em última instância, deve ter como foco o bem-estar dos trabalhadores e a prosperidade das empresas. No final, poderá não servir para todos, mas irá, certamente, permitir a aprendizagem de muitas lições.

Rui Rocheta

Regional Head – LATAM, Iberia e Turquia
Gi Group Holding

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